segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Comentários sobre o livro 'Como pesquisar em educação a partir da complexidade e da transdisciplinaridade?'

Maria Cândido Moraes
José Armando Valente


Para começo de conversa, devo confessar que, mesmo após ler o livro na íntegra, ainda não ficou totalmente claro para mim "como pesquisar em educação a partir da complexidade e da transdisciplinaridade". Explico: senti falta de exemplos práticos, da apresentação de situações reais nas quais foram utilizados tais métodos, estratégias, teoria. A leitura despertou em mim a curiosidade de ler pesquisas concluídas e apoiadas nessas ideias, para então assimilar melhor o que foi dito na obra de Moraes e Valente.

Veja bem, esse meu comentário inicial não precisa ser interpretado como uma crítica ao livro. Em primeiro lugar, assumo ser essa uma crítica a mim mesma, que sou iniciante no assunto 'complexidade', ou seja, caminho mais lentamente por essas discussões, e que apresento como característica pessoal tal dificuldade em captar claramente explicações mais abstratas e/ou genéricas.

A complexidade opõe-se a simplificações, fragmentações do conhecimento e da ciência, à linearidade e a regras gerais. Uma pesquisa que esteja apoiada nessa proposta requer olhares amplos e profundos sobre o objeto de estudo, valoriza aspectos subjetivos e enfatiza a multidimensionalidade dos fenômenos. Sensibilidade, imaginação, emoção e intuição são também levadas em conta. Assim, em poucas palavras, já podemos perceber que essa proposta se diferencia bastante do modelo que estamos acostumados, de pesquisa linear, objetiva, que distancia pesquisador e objeto investigado e que não ambiciona compreender ou explorar todas as dimensões do fenômeno discutido. Dessa forma, a complexidade se mostra mais completa e parece permitir um entendimento mais rico daquilo que se estuda, mas eu continuo sentindo falta de compreender melhor como tudo isso ocorre na prática.

Sobre as perspectivas teórico-epistemológicas existentes, o livro apresenta informações organizadas em um quadro explicativo interessante, mas que me causou alguns questionamentos... Segue abaixo o quadro:



(p. 16-17) >> Clique para ampliar


Os capítulos seguintes do livro trabalham cada um dos elementos da tabela, mas algumas informações ali presentes me fizeram pensar...

Em primeiro lugar, identifiquei que a incorporação da 'imprevisibilidade' e da 'incerteza' na perspectiva eco-sistêmica é um de seus principais diferenciais quando a comparamos com as perspectivas que a precedem. Quando é mencionada, também na eco-sistêmica, a "dinâmica do vir-a-ser", lembrei-me de Vygotsky e sua conhecida ZDP, que parece ter esse mesmo enfoque.

Reparei que, ao longo do texto, os autores transparecem acreditar que a complexidade inova ao reconhecer a importância dos aspectos afetivos, emocionais e subjetivos, não priorizando a cognição como as propostas anteriores. No entanto, essa impressão que a leitura me transmitiu deixou em mim um certo incômodo, pois autores antecessores não mencionados já haviam explorado tais dimensões em suas teorias. É o caso do próprio Vygotsky, que fala sobre sentimentos, sentidos e emoções. Sua visão de homem compreende que a subjetividade exerce um papel fundamental em tudo o que diz respeito àquele sujeito. Wallon é outro teórico que explora vastamente a questão da afetividade e defende veementemente sua importância.

A defesa de uma dimensão metodológica que se valha de multimétodos, mas com prudência metodológica, parece interessante, enriquecedora e potencialmente perigosa. Mais uma vez, seria preciso contar com um pesquisador experiente, organizado, seguro e com baixa tendência a digressões. 

O livro apresenta, a partir do capítulo 6, oito princípios-guia para um pensar complexo. Vale destacá-los: 


  1. Princípio Sistêmico-Organizacional: liga o conhecimento das partes ao conhecimento do todo;
  2. Princípio Hologramático: o todo está também inscrito nas partes;
  3. Princípio Retroativo: toda causa age sobre o efeito e estre retroage informacionalmente sobre a causa;
  4. Princípio Recursivo: auto-organização; natureza autopoiética;
  5. Princípio Dialógico: superação das dicotomias; representação em espiral - algo em processo, inacabado;
  6. Princípio da auto-eco-organização: sobre a relação autonomia/dependência;
  7. Princípio da Re-introdução do Sujeito Cognoscente: (objetividade); participação do sujeito na construção do conhecimento;
  8. Princípio Ecológico de Ação: toda ação escapa à vontade do sujeito para entrar no jogo de inter-retroações que ocorrem no ambiente; o conhecimento não pré-existe;

Explicações mais detalhadas sobre cada princípio estão expostas no livro, que menciona ainda a existência e necessidade de um Princípio Ético que deve ser respeitado pelo pesquisador. Nele estão incluídos o respeito ao sujeito e à comunidade pesquisada, bem como a necessidade de se dar feedback não apenas no final da pesquisa, mas também durante o trabalho em desenvolvimento.

Trata-se de um livro de leitura rápida, através do qual é possível compreender um pouco do pensamento complexo e como ele se diferencia de outras propostas. Os próprios autores encerram o capítulo final assumindo que ainda haveria muito a se dizer sobre o assunto, mas que isso ficará para outra oportunidade. Para aqueles que desejarem aprender um pouco mais, vale a pena conferir não apenas os outros trabalhos dos mesmos autores, como também ir em busca de outras grandes referências no pensamento complexo. Alguns dos importantes autores citados no livro são: Morin, Varela e Maturana.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Humberto Mariotti: Uma Leitura, Muitas Ideias!

Segue abaixo minha resenha de um dos textos de Humberto Mariotti:

REDUCIONISMO, “HOLISMO” E PENSAMENTOS SISTÊMICO E COMPLEXO


Justificativa

      Como exigência para a conclusão da disciplina Teorias da Aprendizagem em Ambientes Virtuais, ministrada pela Profª Drª Ana Maria di Grado Hessel, do mestrado em Tecnologia da Inteligência e Design Digital (PUC SP), foi solicitado aos alunos que escolhessem um artigo de um dos autores trabalhados durante o semestre e o apresentasse em forma de seminário, além de entregar uma resenha do mesmo. Um dos autores trabalhados foi Humberto Mariotti, quem possui importantes contribuições para a teoria complexidade.

 A escolha do artigo em questão aconteceu após uma triagem dos artigos disponíveis no site do autor (http://www.humbertomariotti.com.br). A triagem levou em conta a pertinência dos artigos ao mestrado em andamento da aluna, ou seja, optou-se por um texto que pudesse enriquecer a pesquisa que está sendo desenvolvida. 


Resenha

        O autor inicia o texto apresentando suas definições para os quatro conceitos presentes no título. Para ele, é possível entende-los da seguinte forma:

  • ·         Reducionismo à conforme fora consolidado por Descartes, diz respeito à divisão do todo em partes e ao estudo das partes como independentes. O reducionismo está relacionado ao pensamento linear.
  • ·         Holismo à surge em um momento posterior ao reducionismo e sua proposta é a exata oposição ao pensamento reducionista. O holismo prioriza o todo, sem dividi-lo em partes. O pensamento sistêmico aqui presente compreende que o todo se sobrepõe às partes.
  • ·         Pensamento sistêmico à foi introduzido em 1940 por Ludwig Von Bertalanffy e apresenta, portanto, uma concepção basicamente holística.
  • ·          Pensamento complexo à é uma proposta mais recente que diferencia-se de suas antecessoras. Nos trabalhos de Mariotti, o pensamento complexo é apresentado conforme a teoria de Morin.


Em seu texto, Mariotti explica que existem variações de terminologia importantes de serem esclarecidas. O que Maturana, por exemplo, chama de ‘sistêmico’ corresponde ao que Morin chama de ‘complexo’. O autor afirma que “essa diversidade é compreensível. Mas, até que se chegue a uma terminologia unificada, se é que um dia isso ocorrerá, é preciso que estejamos atentos a essa diversidade”.
Então, após expor sua escolha pela teoria de Morin e, consequentemente, pelas suas terminologias, Mariotti destaca dois princípios cruciais para o pensamento complexo:

  • ·         Princípio da emergência à diz que o todo é superior às partes à um exemplo seria um tapete, que contém um desenho específico. Apesar de ser composto por diversos fios (partes), o resultado final dessa união sobrepõe-se às características individuais de cada fio. Ou seja, não se trata apenas da junção dos fios aleatoriamente. O “todo” (o tapete) é mais do que a mera soma dos fios e contém elementos que seriam perdidos caso as partes fossem dissociadas.

  • ·         Princípio da imposição à diz que o todo é inferior à soma das partes à um exemplo seria um grupo de pessoas que se reúnem para solucionar um problema. Cada um traz suas ideias e discute alternativas, mas, ao mesmo tempo, deixa de lado inúmeros aspectos da sua individualidade, várias de suas características e habilidades que são próprias de cada um, mas aparentemente irrelevantes para a tarefa que executam conjuntamente. Nesse caso, então, o todo (grupo) não é capaz de incluir a totalidade das partes.


De acordo com a teoria de Morin, o pensamento complexo representa complementaridade e transacionalidade entre as concepções linear (reducionismo) e sistêmica (holismo). Diferente dos pensamentos vigentes anteriormente, a complexidade entende que o todo é ao mesmo tempo superior e inferior às partes, como apresentado nos princípios supracitados. Além disso, o autor afirma que os sistemas são dinâmicos e circulares (não sequenciais), havendo alternância da predominância.
A partir dessa leitura, algumas das importantes diferenças evidenciadas entre o pensamento e linear e o pensamento complexo puderam ser organizadas na seguinte tabela:

Pensamento Linear
Pensamento Complexo
Isolamento todo/parte
Integração todo e parte
Linearidade e harmonia do sistema
Conflituosidade e desarmonia
Busca de certezas – em níveis extremos = alienação
Lida com incertezas – Não há leis gerais ou conceitos simplificadores


Apesar de Mariotti assumir sua afinidade com o pensamento complexo, ele não deixa de reconhecer a importância dos pensamentos linear e sistêmico. Para o autor, o pensamento sistêmico pode ser eficiente para a solução de determinados problemas que exijam intervenções imediatas, mas será insuficiente para que o mesmo problema seja de fato compreendido amplamente.
Uma de suas principais críticas aos pensamentos linear e sistêmico é a incapacidade por eles apresentada de lidar com a aleatoriedade, a desordem, a incerteza e com a conflituosidade, existentes e inevitáveis em qualquer sistema ou organização. Nas suas próprias palavras, “a cultura e a contracultura deveriam estar em uma circularidade tal que mantivesse a conflituosidade em níveis menos traumáticos. Ou seja, a sociedade deveria saber como lidar melhor com a desordem e a incerteza”.
Outra questão importante apresentada por Mariotti é a necessidade da virtualização e da repressão das potencialidades das partes para o funcionamento do sistema. Tomemos, por exemplo, a situação anteriormente apresentada na qual um grupo de pessoas se reúne para solucionar um problema. As potencialidades das partes não são exploradas totalmente, ou seja, muitas de suas habilidades e características ficam virtualizadas. O autor explica que essa virtualização e/ou repressão é necessária, pois, se todas as potencialidades viessem à tona, isso prejudicaria o funcionamento daquele grupo.
O texto traz importantes reflexões sobre a sociedade na qual vivemos, como ela funciona e como deveria funcionar. As ideias apresentadas por Mariotti podem ser transportadas para diversas áreas e a que me interessa particularmente é a educação. O autor não dedica, neste artigo em especial, destaque à educação, mas consigo enxergar uma relação direta entre suas críticas ao funcionamento da sociedade e a forma pela qual a educação vem sendo exercida. O pensamento linear ainda é predominante, tanto na sociedade em geral quanto na educação especificamente, e precisa ser superado. Assim como Mariotti, acredito que o pensamento complexo seja mais apropriado para o bom funcionamento da sociedade e deva, portanto, vencer as resistências, ser estimulado e cada vez mais difundido.
Por fim, destaco um dos caminhos apontados pelo autor para a disseminação e fortalecimento do pensamento complexo:

“Um dos domínios sociais mais favoráveis às redes de conversação que podem ajudar a formar a massa crítica em favor do pensamento complexo, é o chamado Terceiro Setor do processo produtivo. Este compreende as áreas da sociedade em que se fazem trabalhos comunitários e nas quais predomina a economia dita "social", que comporta, por exemplo, serviços voluntários e formas de remuneração não-financeira. Ao lado dele há o primeiro setor (o governo) e o segundo (o universo das empresas), regidos pela economia de mercado e portanto pelo pensamento linear. Mesmo que se levem em conta todas as dificuldades, equívocos, más interpretações e outros problemas, é no Terceiro Setor que mais se vêm observando conversações diferentes das habituais.”

terça-feira, 3 de novembro de 2015

VIII Encontro de pesquisa do TIDD 2015

No mês passado aconteceu o VIII Encontro de pesquisa do TIDD, onde apresentei minha pesquisa de mestrado, que está em andamento. Também participei da organização do evento, que foi muito bacana!

Não fiquei nada bem nas fotos, mas pelo menos tenho esse registro para sempre lembrar desse dia.



Essa não foi a primeira vez que me apresentei em um evento desse tipo, mas foi uma das. Fiquei um pouco nervosa, mas logo pego o jeito. Que venham os próximos!

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Talking About PBL - Project Based Learning


There are so many topics that I find over there and that call my attention while I'm studying for my masters. Too bad I do not have time at the moment to go deeper into them. I have to focus on what really maters to my dissertation as time flies, but keeping those 'extra topics' in mind for later studies seem to be a good idea. One of the things I was seduced by is PBL - Project Based Learning.

Well, it is what it is, the name makes it pretty clear what we are talking about so there is no need to use many words here. To be honest, I have worked with projects in my classes before knowing this strategy had an specific name and treatment in literature. The fact is that it does have and I like it because then we have more people talking about it as a unique thing, discussing results, activities, pros and cons, social impacts and a bunch of other stuff. 

I particularly like working with projects and I see many positive impacts on students when I do that. That's probably why I was so interested in PBL literature when I got to know about its existence. As I said, I could not go much further yet with my curiosity, but I leave here a taste of what I am talking about:

WHAT IS PBL?

Project Based Learning is a teaching method in which students gain knowledge and skills by working for an extended period of time to investigate and respond to an engaging and complex question, problem, or challenge. In Gold Standard PBL, Essential Project Design Elements include:
  • Key Knowledge, Understanding, and Success Skills - The project is focused on student learning goals, including standards-based content and skills such as critical thinking/problem solving, collaboration, and self-management. 
  • Challenging Problem or Question - The project is framed by a meaningful problem to solve or a question to answer, at the appropriate level of challenge.
  • Sustained Inquiry - Students engage in a rigorous, extended process of asking questions, finding resources, and applying information.
  • Authenticity - The project features real-world context, tasks and tools, quality standards, or impact – or speaks to students’ personal concerns, interests, and issues in their lives.
  • Student Voice & Choice - Students make some decisions about the project, including how they work and what they create.
  • Reflection - Students and teachers reflect on learning, the effectiveness of their inquiry and project activities, the quality of student work, obstacles and how to overcome them.
  • Critique & Revision - Students give, receive, and use feedback to improve their process and products.
  • Public Product - Students make their project work public by explaining, displaying and/or presenting it to people beyond the classroom.

WHY PBL?

Project Based Learning’s time has come. The experience of thousands of teachers across all grade levels and subject areas, backed by research, confirms that PBL is an effective and enjoyable way to learn - and develop deeper learning competencies required for success in college, career, and civic life. Why are so many educators across the United States and around the world interested in this teaching method? The answer is a combination of timeless reasons and recent developments.
  • PBL makes school more engaging for students. Today’s students, more than ever, often find school to be boring and meaningless. In PBL, students are active, not passive; a project engages their hearts and minds, and provides real-world relevance for learning.
  • PBL improves learning. After completing a project, students understand content more deeply, remember what they learn and retain it longer than is often the case with traditional instruction. Because of this, students who gain content knowledge with PBL are better able to apply what they know and can do to new situations.
  • PBL builds success skills for college, career, and life. In the 21st century workplace and in college, success requires more than basic knowledge and skills. In a project, students learn how to take initiative and responsibility, build their confidence, solve problems, work in teams, communicate ideas, and manage themselves more effectively.
  • PBL helps address standards. The Common Core and other present-day standards emphasize real-world application of knowledge and skills, and the development of success skills such as critical thinking/problem solving, collaboration, communication in a variety of media, and speaking and presentation skills. PBL is an effective way to meet these goals.
  • PBL provides opportunities for students to use technology. Students are familiar with and enjoy using a variety of tech tools that are a perfect fit with PBL. With technology, teachers and students can not only find resources and information and create products, but also collaborate more effectively, and connect with experts, partners, and audiences around the world.
  • PBL makes teaching more enjoyable and rewarding. Projects allow teachers to work more closely with active, engaged students doing high-quality, meaningful work, and in many cases to rediscover the joy of learning alongside their students.
  • PBL connects students and schools with communities and the real world. Projects provide students with empowering opportunities to make a difference, by solving real problems and addressing real issues. Students learn how to interact with adults and organizations, are exposed to workplaces and adult jobs, and can develop career interests. Parents and community members can be involved in projects.



For more information, please access: here.
And there is also a video that explains PBL: here.

> It is interesting to notice that I also found the acronym (PBL) standing for Problem Based Learning, so be careful not to get it mixed up.

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Link para texto em português sobre PBL: clique aqui.

domingo, 4 de outubro de 2015

Desafios do Conectivismo - Artigo Web Currículo

Entre os dias 21 e 23 de setembro de 2015, aconteceu em São Paulo o IV Seminário Web Currículo e XII Encontro de Pesquisadores em Currículo. Participei do evento não apenas como ouvinte, mas também como autora do artigo Desafios do conectivismo como uma teoria democrática da aprendizagem, que será em breve publicado nos anais (compartilharei o link).

Fiz uma breve apresentação do artigo aos participantes e disponibilizei os slides aqui.

Agora estou na expectativa do próximo evento do qual participarei e no qual também me apresentarei, VIII Encontro de Pesquisa do TIDD/PUCSP. É aberto ao público e acontecerá no dia 13/10/2015, das 13h30 às 21h... Vamos? ;-)


terça-feira, 4 de agosto de 2015

Divagações sócio-históricas sobre a Educação: Iluminismo, Romantismo, Pós-Modernismo e Era Digital

Meu coração é sócio-histórico! S2


Não consigo, nem que eu queira - e eu não quero -, pensar sobre qualquer ser humano sem levar em conta seus contextos. Somos feitos nisso e disso que nos cerca, nos afeta e é por nós afetado. Penso assim. Estou certa disso.

Logo, creio que a cultura, o momento histórico no qual vivemos e nossas experiências com o mundo e com os outros nos moldam. Não que sejamos vítimas passivas nesse processo de formação do nosso 'eu'. Claro que não! Afinal, somos ativos nessa mesma sociedade e também a moldamos. Ou seja, a atividade e a passividade vêm 'juntas e misturadas', mas já falei disso outras vezes. Digo mais, nem fui eu quem disse isso! Foram muitos outros antes de mim, mas escolho aqui referenciar Vygotsky.

Voltando à ideia lançada, nosso contexto social e nosso momento histórico desempenham papéis extremamente importantes no nosso desenvolvimento psicológico (Psicologia sócio-histórica). Logo, podemos perceber relações entre o momento histórico e a educação, muito vinculada ao desenvolvimento dos processos psicológicos.

Hoje, por exemplo, vivemos a era digital e está fácil notar as influências das tecnologias digitais na vida das pessoas, nas relações que elas estabelecem, na forma pela qual se organizam, se comunicam, aprendem, etc. Pensar sobre a educação do séc XXI sem atentar-se às mudanças sociais e sem adequar-se a elas é pior do que nadar contra a maré: é afogar-se. As escolas e demais instituições de ensino, lentamente (infelizmente), buscam incluir as tecnologias digitais nas práticas pedagógicas propostas, os alunos da atualidade buscam as conveniências da web (cursos online, recursos e materiais disponíveis na rede, pessoas, etc) e os pesquisadores e educadores mais dispostos laçam novas ideias, propostas, além de críticas ao modelo tradicional já ultrapassado. Estamos caminhando, ainda com grande resistência, para uma nova era, na qual a educação se transforma, se desconstrói e se reconstrói para adequar-se ao aluno da atualidade e para continuar sendo capaz de prepará-lo para participar do mundo no qual ele vive.

Se olharmos para trás, isso já aconteceu outras vezes. Durante muitos e muitos anos a concepção dualista de homem prevaleceu. O homem não era compreendido em sua totalidade, mas sim visto fragmentado, com suas emoções separadas da sua razão, sua cognição desvinculada do seu lado afetivo, sua mente como desligada de seu corpo. As dicotomias eram principalmente nocivas pois havia grande desequilíbrio: priorizava-se a razão, a cognição e a mente, em detrimento das emoções, dos afetos, do corpo. 

Com o Iluminismo nasce também o embrião da mudança desse pensamento. Vejam, o Iluminismo manteve a forte priorização dos aspectos racionais, cognitivos e intelectuais do homem, mas foram ideias como as de Hegel, Marx e Engels que trouxeram à tona o chamado materialismo dialéticoafirmando que sujeito e objeto de conhecimento interagem, podendo o primeiro apropriar-se do segundo e transformá-lo. A cultura passa então a ser compreendida como elemento fundamental na constituição do homem, na formação de sua consciência e no seu desenvolvimento. Tudo isso foi o ponta pé que a Psicologia sócio-histórica precisava para surgir mais lá na frente, no séc. XX, que foi "quando deu" pra surgir, já que houve uma pedrinha no meio do caminho: o Romantismo.


No século XIX, o Romantismo surge contrapondo-se ao Iluminismo e dando ênfase não mais à razão, mas sim à expressão de sentimentos e desejos. Era a vez de dar espaço à emoção, na verdade, de dar todo o espaço a ela. Assim, apesar das mudanças, algumas características se mantiveram: o desequilíbrio, a dicotomização, a falta de um olhar holístico sobre o homem e sua concepção. 

De qualquer forma, ainda que esse pensamento estivesse distante do entendimento de que as duas dimensões humanas (razão e emoção) não se sobrepõem, mas sim se complementam, tratou-se de um momento histórico marcante em que atenções foram voltadas à importância de um aspecto humano por séculos desvalorizado.

Tanto as influências do ideário iluminista, como a força do movimento romântico, marcaram de diferentes maneiras a constituição da subjetividade moderna, através de confrontos e acomodações entre as esferas pública e privada. (TASSONI, 2008, p. 25)


Então, vivenciados os dois extremos - da priorização da razão no Iluminismo e da priorização da emoção no Romantismo-, partimos para um novo momento histórico no qual o homem começou a ser visto em sua totalidade. Atenções foram voltadas às inter-relações entre razão e emoção, corpo e mente, cognição e afeto. Começaram a ser aceitas as noções de que todos os aspectos humanos estão ligados de alguma forma e merecem ser considerados.

Chega o séc. XX e Vygotsky aparece para revolucionar a Psicologia e a Educação. Por muito tempo suas ideias foram postas em prática e, ainda hoje, são predominantes. Porém, esse teórico que tanto admiro não viveu para ver a era digital. Suas propostas foram feitas tendo como base uma sociedade que apresentava diferenças notáveis em relação àquela na qual vivemos hoje e, apegando-me à sua própria abordagem histórico-cultural, ressalto novamente a urgência de pararmos de querer impor o passado sobre o presente. Precisamos pensar o presente e recriar as práticas passadas. Talvez a teoria ainda sirva, acredito mesmo que possa servir, mas ela precisa ser reelaborada e me nego a acreditar que tanta gente não veja, não sinta isso. Acho que o problema está na natureza humana muitas vezes, naquele medo da mudança que quase todos (ou todos?) costumamos sentir. Tem também a preguiça, que atrapalha... é "mais cômodo" (reproduzo, mas discordo sem me estender nisso) fazer como já fizemos tantas vezes do que arriscar, experimentar, errar, refletir... Mas não vai ter jeito. As mudanças acontecerão, queiram ou não queiram. O futuro já chegou e vai chegar sempre e outra vez. Quem não se atualiza, sai da cena. É como disse Nietzsche:


Tudo evolui; não há realidades eternas: tal como não há verdades absolutas.


Acho que falta também em muitos a humildade de reconhecer que, aquilo que faz e que sempre fez não serve mais. É difícil admitir que estivemos certos e agora estamos errados, inapropriados. Talvez seja algo como meus jeans antigos, que já não me servem, mas que insisto em guardar e dizer que voltarão a entrar nos meus quadris. Insisto neles e sentirei um gosto de vitória se, daqui muitos anos, por acaso, um puder ser novamente usado. Pensarei, provavelmente, que fiz bem em não descartá-los antes, mas, na realidade, faço muito mal em não doá-los a quem possa fazer melhor proveito desde já e também faço muito mal em guardá-los e constantemente recordar a mim mesma de que estou em pior forma física. Assim faz o educador que não se atualiza: insiste erroneamente por toda uma vida em práticas ineficazes que, ocasionalmente, surtirão efeito aqui ou acolá e isso bastará para saciar sua teimosia. Precisamos ser humildes e olhar em volta, ver que tantas pessoas precisam verdadeiramente dos nossos desapegos, do abandono das nossas vaidades e do fim desse egoísmo inútil. Precisamos enxergar aqueles que passam fome, frio, que vivem nas ruas, na miséria. Precisamos enxergar nossos alunos, que precisam da nossa sensibilidade, da nossa colaboração, empatia, entendimento, dedicação. Precisamos olhar com amor sempre, seja em casa, no trabalho ou nas ruas da cidade. A educação, afinal, não se restringe à escola. Muito além da matemática, da biologia, da gramática e da história, precisamos ensinar uns aos outros a construir um mundo cada vez melhor. E esse trabalho é sim dos educadores, mas não só: é de todos, para todos.


E, já que o texto chegou perto do clima dos anos 60, fica aí minha apologia à paz e ao amor:










Referências:

TASSONI, E. C. M. A dinâmica interativa na sala de aula: as manifestações afetivas no processo de escolarização. Tese de Doutorado. Campinas: FE/UNICAMP, 2008.


Imagens:

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http://24.media.tumblr.com/tumblr_me75javhTd1qdjda6o1_500.jpg
http://pt.slideshare.net/ederig/rest-in-java-20-13884984