segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Comentários sobre o livro 'Como pesquisar em educação a partir da complexidade e da transdisciplinaridade?'

Maria Cândido Moraes
José Armando Valente


Para começo de conversa, devo confessar que, mesmo após ler o livro na íntegra, ainda não ficou totalmente claro para mim "como pesquisar em educação a partir da complexidade e da transdisciplinaridade". Explico: senti falta de exemplos práticos, da apresentação de situações reais nas quais foram utilizados tais métodos, estratégias, teoria. A leitura despertou em mim a curiosidade de ler pesquisas concluídas e apoiadas nessas ideias, para então assimilar melhor o que foi dito na obra de Moraes e Valente.

Veja bem, esse meu comentário inicial não precisa ser interpretado como uma crítica ao livro. Em primeiro lugar, assumo ser essa uma crítica a mim mesma, que sou iniciante no assunto 'complexidade', ou seja, caminho mais lentamente por essas discussões, e que apresento como característica pessoal tal dificuldade em captar claramente explicações mais abstratas e/ou genéricas.

A complexidade opõe-se a simplificações, fragmentações do conhecimento e da ciência, à linearidade e a regras gerais. Uma pesquisa que esteja apoiada nessa proposta requer olhares amplos e profundos sobre o objeto de estudo, valoriza aspectos subjetivos e enfatiza a multidimensionalidade dos fenômenos. Sensibilidade, imaginação, emoção e intuição são também levadas em conta. Assim, em poucas palavras, já podemos perceber que essa proposta se diferencia bastante do modelo que estamos acostumados, de pesquisa linear, objetiva, que distancia pesquisador e objeto investigado e que não ambiciona compreender ou explorar todas as dimensões do fenômeno discutido. Dessa forma, a complexidade se mostra mais completa e parece permitir um entendimento mais rico daquilo que se estuda, mas eu continuo sentindo falta de compreender melhor como tudo isso ocorre na prática.

Sobre as perspectivas teórico-epistemológicas existentes, o livro apresenta informações organizadas em um quadro explicativo interessante, mas que me causou alguns questionamentos... Segue abaixo o quadro:



(p. 16-17) >> Clique para ampliar


Os capítulos seguintes do livro trabalham cada um dos elementos da tabela, mas algumas informações ali presentes me fizeram pensar...

Em primeiro lugar, identifiquei que a incorporação da 'imprevisibilidade' e da 'incerteza' na perspectiva eco-sistêmica é um de seus principais diferenciais quando a comparamos com as perspectivas que a precedem. Quando é mencionada, também na eco-sistêmica, a "dinâmica do vir-a-ser", lembrei-me de Vygotsky e sua conhecida ZDP, que parece ter esse mesmo enfoque.

Reparei que, ao longo do texto, os autores transparecem acreditar que a complexidade inova ao reconhecer a importância dos aspectos afetivos, emocionais e subjetivos, não priorizando a cognição como as propostas anteriores. No entanto, essa impressão que a leitura me transmitiu deixou em mim um certo incômodo, pois autores antecessores não mencionados já haviam explorado tais dimensões em suas teorias. É o caso do próprio Vygotsky, que fala sobre sentimentos, sentidos e emoções. Sua visão de homem compreende que a subjetividade exerce um papel fundamental em tudo o que diz respeito àquele sujeito. Wallon é outro teórico que explora vastamente a questão da afetividade e defende veementemente sua importância.

A defesa de uma dimensão metodológica que se valha de multimétodos, mas com prudência metodológica, parece interessante, enriquecedora e potencialmente perigosa. Mais uma vez, seria preciso contar com um pesquisador experiente, organizado, seguro e com baixa tendência a digressões. 

O livro apresenta, a partir do capítulo 6, oito princípios-guia para um pensar complexo. Vale destacá-los: 


  1. Princípio Sistêmico-Organizacional: liga o conhecimento das partes ao conhecimento do todo;
  2. Princípio Hologramático: o todo está também inscrito nas partes;
  3. Princípio Retroativo: toda causa age sobre o efeito e estre retroage informacionalmente sobre a causa;
  4. Princípio Recursivo: auto-organização; natureza autopoiética;
  5. Princípio Dialógico: superação das dicotomias; representação em espiral - algo em processo, inacabado;
  6. Princípio da auto-eco-organização: sobre a relação autonomia/dependência;
  7. Princípio da Re-introdução do Sujeito Cognoscente: (objetividade); participação do sujeito na construção do conhecimento;
  8. Princípio Ecológico de Ação: toda ação escapa à vontade do sujeito para entrar no jogo de inter-retroações que ocorrem no ambiente; o conhecimento não pré-existe;

Explicações mais detalhadas sobre cada princípio estão expostas no livro, que menciona ainda a existência e necessidade de um Princípio Ético que deve ser respeitado pelo pesquisador. Nele estão incluídos o respeito ao sujeito e à comunidade pesquisada, bem como a necessidade de se dar feedback não apenas no final da pesquisa, mas também durante o trabalho em desenvolvimento.

Trata-se de um livro de leitura rápida, através do qual é possível compreender um pouco do pensamento complexo e como ele se diferencia de outras propostas. Os próprios autores encerram o capítulo final assumindo que ainda haveria muito a se dizer sobre o assunto, mas que isso ficará para outra oportunidade. Para aqueles que desejarem aprender um pouco mais, vale a pena conferir não apenas os outros trabalhos dos mesmos autores, como também ir em busca de outras grandes referências no pensamento complexo. Alguns dos importantes autores citados no livro são: Morin, Varela e Maturana.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Humberto Mariotti: Uma Leitura, Muitas Ideias!

Segue abaixo minha resenha de um dos textos de Humberto Mariotti:

REDUCIONISMO, “HOLISMO” E PENSAMENTOS SISTÊMICO E COMPLEXO


Justificativa

      Como exigência para a conclusão da disciplina Teorias da Aprendizagem em Ambientes Virtuais, ministrada pela Profª Drª Ana Maria di Grado Hessel, do mestrado em Tecnologia da Inteligência e Design Digital (PUC SP), foi solicitado aos alunos que escolhessem um artigo de um dos autores trabalhados durante o semestre e o apresentasse em forma de seminário, além de entregar uma resenha do mesmo. Um dos autores trabalhados foi Humberto Mariotti, quem possui importantes contribuições para a teoria complexidade.

 A escolha do artigo em questão aconteceu após uma triagem dos artigos disponíveis no site do autor (http://www.humbertomariotti.com.br). A triagem levou em conta a pertinência dos artigos ao mestrado em andamento da aluna, ou seja, optou-se por um texto que pudesse enriquecer a pesquisa que está sendo desenvolvida. 


Resenha

        O autor inicia o texto apresentando suas definições para os quatro conceitos presentes no título. Para ele, é possível entende-los da seguinte forma:

  • ·         Reducionismo à conforme fora consolidado por Descartes, diz respeito à divisão do todo em partes e ao estudo das partes como independentes. O reducionismo está relacionado ao pensamento linear.
  • ·         Holismo à surge em um momento posterior ao reducionismo e sua proposta é a exata oposição ao pensamento reducionista. O holismo prioriza o todo, sem dividi-lo em partes. O pensamento sistêmico aqui presente compreende que o todo se sobrepõe às partes.
  • ·         Pensamento sistêmico à foi introduzido em 1940 por Ludwig Von Bertalanffy e apresenta, portanto, uma concepção basicamente holística.
  • ·          Pensamento complexo à é uma proposta mais recente que diferencia-se de suas antecessoras. Nos trabalhos de Mariotti, o pensamento complexo é apresentado conforme a teoria de Morin.


Em seu texto, Mariotti explica que existem variações de terminologia importantes de serem esclarecidas. O que Maturana, por exemplo, chama de ‘sistêmico’ corresponde ao que Morin chama de ‘complexo’. O autor afirma que “essa diversidade é compreensível. Mas, até que se chegue a uma terminologia unificada, se é que um dia isso ocorrerá, é preciso que estejamos atentos a essa diversidade”.
Então, após expor sua escolha pela teoria de Morin e, consequentemente, pelas suas terminologias, Mariotti destaca dois princípios cruciais para o pensamento complexo:

  • ·         Princípio da emergência à diz que o todo é superior às partes à um exemplo seria um tapete, que contém um desenho específico. Apesar de ser composto por diversos fios (partes), o resultado final dessa união sobrepõe-se às características individuais de cada fio. Ou seja, não se trata apenas da junção dos fios aleatoriamente. O “todo” (o tapete) é mais do que a mera soma dos fios e contém elementos que seriam perdidos caso as partes fossem dissociadas.

  • ·         Princípio da imposição à diz que o todo é inferior à soma das partes à um exemplo seria um grupo de pessoas que se reúnem para solucionar um problema. Cada um traz suas ideias e discute alternativas, mas, ao mesmo tempo, deixa de lado inúmeros aspectos da sua individualidade, várias de suas características e habilidades que são próprias de cada um, mas aparentemente irrelevantes para a tarefa que executam conjuntamente. Nesse caso, então, o todo (grupo) não é capaz de incluir a totalidade das partes.


De acordo com a teoria de Morin, o pensamento complexo representa complementaridade e transacionalidade entre as concepções linear (reducionismo) e sistêmica (holismo). Diferente dos pensamentos vigentes anteriormente, a complexidade entende que o todo é ao mesmo tempo superior e inferior às partes, como apresentado nos princípios supracitados. Além disso, o autor afirma que os sistemas são dinâmicos e circulares (não sequenciais), havendo alternância da predominância.
A partir dessa leitura, algumas das importantes diferenças evidenciadas entre o pensamento e linear e o pensamento complexo puderam ser organizadas na seguinte tabela:

Pensamento Linear
Pensamento Complexo
Isolamento todo/parte
Integração todo e parte
Linearidade e harmonia do sistema
Conflituosidade e desarmonia
Busca de certezas – em níveis extremos = alienação
Lida com incertezas – Não há leis gerais ou conceitos simplificadores


Apesar de Mariotti assumir sua afinidade com o pensamento complexo, ele não deixa de reconhecer a importância dos pensamentos linear e sistêmico. Para o autor, o pensamento sistêmico pode ser eficiente para a solução de determinados problemas que exijam intervenções imediatas, mas será insuficiente para que o mesmo problema seja de fato compreendido amplamente.
Uma de suas principais críticas aos pensamentos linear e sistêmico é a incapacidade por eles apresentada de lidar com a aleatoriedade, a desordem, a incerteza e com a conflituosidade, existentes e inevitáveis em qualquer sistema ou organização. Nas suas próprias palavras, “a cultura e a contracultura deveriam estar em uma circularidade tal que mantivesse a conflituosidade em níveis menos traumáticos. Ou seja, a sociedade deveria saber como lidar melhor com a desordem e a incerteza”.
Outra questão importante apresentada por Mariotti é a necessidade da virtualização e da repressão das potencialidades das partes para o funcionamento do sistema. Tomemos, por exemplo, a situação anteriormente apresentada na qual um grupo de pessoas se reúne para solucionar um problema. As potencialidades das partes não são exploradas totalmente, ou seja, muitas de suas habilidades e características ficam virtualizadas. O autor explica que essa virtualização e/ou repressão é necessária, pois, se todas as potencialidades viessem à tona, isso prejudicaria o funcionamento daquele grupo.
O texto traz importantes reflexões sobre a sociedade na qual vivemos, como ela funciona e como deveria funcionar. As ideias apresentadas por Mariotti podem ser transportadas para diversas áreas e a que me interessa particularmente é a educação. O autor não dedica, neste artigo em especial, destaque à educação, mas consigo enxergar uma relação direta entre suas críticas ao funcionamento da sociedade e a forma pela qual a educação vem sendo exercida. O pensamento linear ainda é predominante, tanto na sociedade em geral quanto na educação especificamente, e precisa ser superado. Assim como Mariotti, acredito que o pensamento complexo seja mais apropriado para o bom funcionamento da sociedade e deva, portanto, vencer as resistências, ser estimulado e cada vez mais difundido.
Por fim, destaco um dos caminhos apontados pelo autor para a disseminação e fortalecimento do pensamento complexo:

“Um dos domínios sociais mais favoráveis às redes de conversação que podem ajudar a formar a massa crítica em favor do pensamento complexo, é o chamado Terceiro Setor do processo produtivo. Este compreende as áreas da sociedade em que se fazem trabalhos comunitários e nas quais predomina a economia dita "social", que comporta, por exemplo, serviços voluntários e formas de remuneração não-financeira. Ao lado dele há o primeiro setor (o governo) e o segundo (o universo das empresas), regidos pela economia de mercado e portanto pelo pensamento linear. Mesmo que se levem em conta todas as dificuldades, equívocos, más interpretações e outros problemas, é no Terceiro Setor que mais se vêm observando conversações diferentes das habituais.”